sexta-feira, 26 de junho de 2009

Ode à inveja barata

   Cada gota de sangue que escorre pelos olhos significa um brilho no olhar de outrem.
   Derrotas, decepções e escassez de sentimento manifestam alívio e glória de quem na verdade almeja pelo seu sofrimento.
   Quando uma vitória é dura e finalmente conquistada, um punhal é cravado no peito dos raivosos e mais uma fúria se acende.
   Na verdade tudo gira em um ciclo de interesses. Se não agora, depois. Cada qual se mostra digno de um ou mais defeitos, egocentrismo exagerado e manipulação constante.
   Até chega a pensar que poderia reverter o quadro, mas quanto mais tenta, mais se afunda.
   Sem escalas.
   Uma rotina incansável.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Libertação

   Basicamente, já estava conformada com aquela vida desprezível. Guardava aquele segredo de todos, era vergonhoso, repugnante. Revelar aquela bomba seria assumir um atestado de inferioridade, preferia deixar como estava, até que um dia ele finalmente cansasse. Quem a via na rua não imaginava que por trás daquele rosto bonito na verdade só restasse dor e um pedido de ajuda, fazia de tudo para que não transparecesse que estava sozinha, passava uma imagem forte, confiante, mas sabia que era totalmente o oposto.
   Não havia sequer um dia que não rezasse para aquele tormento parar. Deus entretanto, ou qualquer outra força superior, não a ouvia. Todas as suas preces e orações se tornavam ecos em seu quarto, com o tempo desistiu de pedir proteção.
   Mais uma noite, dessa vez estava preparada. Ouviu passos no corredor, já sabia que era ele vindo procurá-la. Ficou recostada na cama enquanto ele vinha lhe afagar o corpo, tampou sua boca com a mão direita e a penetrou. Ele sentia prazer, sentia-se excitado em machucá-la, era nojenta a forma que a tocava e nojenta a forma como gemia com cada orgasmo.
   Mas aquilo teria um fim...
   Enquanto ele fazia movimentos frenéticos em cima dela, enquanto ele abusava de alguém do seu próprio sangue, não hesitaria. Agora ela tinha coragem, a coragem que antes lhe era reprimida, não tinha medo de acabar com tudo aquilo, com uma faca que havia pegado da cozinha terminaria aquele caos. Agora poderia dormir sem se preocupar em deixar a porta aberta. Contou até três e cravou a faca nas costas do pai.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Sufoco

   Era como se algo faltasse, sentia um vazio, tinha pena de si mesma, não tinha amor próprio. Todos lhe falavam, mas para seus ouvidos pareciam apenas palavras, simples. Sentia que estava perdendo seus amigos, mas no fundo não era sua culpa, entendia que os outros desconheciam seu desprezo pela vida e o que faziam era apenas recrimina-lá.
   O problema estava dentro dela mesma, precisava assumir um lado e adquirir autoconfiança, precisava travar uma batalha com seu próprio ser e necessitava sim, ganhar aquela guerra. Mas como vencer se não tinha esperança? Todos os sonhos que idealizava eram dissolvidos em névoa, não tinha força para terminar algum projeto insignificante, sentia que cada vez mais se afundava, mas como sair daquela escuridão se nem mesmo sabia qual era o motivo de tanta angústia?
   Os sons, as imagens, com o tempo foram ficando distorcidos, sem nexo, sem razão, para cada lado que olhava via nos olhos das pessoas uma cobiça, sede de vitória, vingança, tudo girava em torno do dinheiro e o dinheiro girava em torno das pessoas. Momentaneamente acreditava que a ideia que visualizava dos outros era apenas um esconderijo para a sua própria personalidade, não queria aceitar que era materialista, insensível e intolerante, mas se ela mesma era assim, por que tais indivíduos a incomodavam tanto? Estava confusa, perdida em meio à turbilhões de pensamentos, precisava decidir o caminho a seguir, mas qual seria o certo?
   Tantas perguntas, tantas dúvidas e nenhuma resposta, rejeitava toda e qualquer ideia que lhe vinha à mente, era como se suas opiniões e escolhas fossem as mais repugnantes, as mais absurdas, não sabia o que era melhor para si e não queria que ninguém lhe ajudasse. Observava pela janela e ficava com o olhar fixo em um ponto irreconhecível, ilegível, pensamento oculto, olhos vagos. Será que um dia poderia se libertar dessa dor? Será que um dia descobriria que era só uma fase? Sem resposta, ficou sentada esperando o sufoco passar.