segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Moldar-se

   Os sentimentos são mesmo inspiradores, fazem com que algo aqui dentro da gente trabalhe positivamente gerando vínculos de grande importância. Abastecem a alma, o coração e preenchem as cores opacas da vida, dando luz à pontos enegrecidos. Alteram até mesmo nossas expressões, pincelando com leveza e emoção; e a fala, tão rude e grosseira se torna mais suave, já que tudo ao redor se transformou.
   Por pior que seja ter um coração gélido, pior ainda é perder a oportunidade de aquecê-lo. À medida que nada é definido para sempre e nada é impedido de mudar, moldar-se custa pouco e este pouco é imensidão.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Cenário de horrores

Como quem tudo desacredita,
Refugiou-se no luar
E no triste e frio cenário de amores
Resolveu desabafar.
Chorava, lágrimas vermelhas de rancor
E por mais injusto que fora
Culpou-se pela própria dor.
Dera tudo, fora escravo
Entregara-se com paixão,
Mas a alma doce e ingrata
Invalidou seu coração.
Desprezado, desgraçado
Implorou por atenção,
Satisfazia-se com pouco
Um vestígio de compaixão.
O pobre, tolo e manso
Iludira-se com uma atriz
Riu prazerosamente, a infame do infeliz.
Pediu perdão, envergonhara-se
Pelo afeto oferecido
Seu amor não era nada
Ao final, foi esquecido.
Percebera o grande erro,
Dedicar-se por alguém
Desolado, abandonado
Perdera a vida para outrem.
Sua paz também se foi,
Assim que o luar desapareceu
E com os olhos entreabertos
A quietude o adormeceu.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Pontos

Linha.
Agulha.
Linha e agulha estão predispostas a trabalharem paralelamente consertando todas as falhas do passado. Remendam remorsos, escodem feridas, costuram os erros para que um novo presente seja formado esquecendo-se os deslizes cometidos. Linha e agulha. Agora já não há mais arrependimentos, culpas pesando o coração. Tudo se foi, tudo se criou novamente. Surge um novo ser, um ser humano livre de preocupações, acusações. O passado virou lenda, as mágoas se apagaram e a mente se fechou. Linha e agulha. Se uma nova fresta desabrocha reabrindo o que se fechou, entram em ação novamente pondo em ordem o desordenado. Dever cumprido, é assim que tem que ser. Entretanto, linha e agulha olham o trabalho feito e não gostam da imagem vista, não. Muitos pontos agrupados, mal colocados. Concluem elas que são cicatrizes. Cicatrizes de um passado esquecido, enxotado. Cicatrizes de lembranças impagáveis mas apagadas, riscadas da alma e do tempo.
Linha.
Agulha.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Fim de jogo

   Manipulo precisamente cada peão do meu tabuleiro. Jogada certeira, fatal. Cada passo é estudado, milimetrizado para não haver vestígios de derrota. Conheço o adversário, cada um deles. Conheço cada ideia, cada movimento estrategicamente planejado. Penso como eles, jogo como eles, sinto e analiso como cada um. Blefo, que bela ferramenta. Tombo-os lentamente abrindo passagem pelos demais, estes recuam, enfraquecem. Vou recolhendo suas dignidades que se perderam em meio o preto e o branco sob os pés, honra, moral espalhadas pelo chão. Tropeço em algumas delas, mas consigo alcançar a outra extremidade da disputa. Arrisco uma olhadela, contemplo os corpos que estirei. O alívio penetra, o orgulho absorve. Xeque mate!

sexta-feira, 26 de março de 2010

All Secrets Now

   Me deixa. Toda essa sua hipocrisia me enoja. Diz que diz, diz que fez, diz que sente. Será mesmo? Me poupe dessa sua vulnerabilidade e sentimentalismo barato, nunca foram convincentes o bastante para me envolver ou para quem dera julgar o certo do que não foi provado. Finja, isso mesmo. Me comove tanta falsidade e tanto desapego. Sinto inevitável necessidade de acordar-te, salvar pelo menos a parte livre de atuação, mas sinto pena. Esta lastimável pena que me deixa imóvel,  perplexo, inconsciente. Por frações de segundos penso ter visto qualquer brilho de lucidez, engano meu. Apenas reflexo. Aliás, reflexo é a palavra ideal para julgar-te. Reflexo de tudo aquilo que totaliza-se ao seu redor. Reflexo da maldade, da benevolência e da coragem. Reflexo de caráter e todos os papéis que conseguistes memorizar. Liberte-se, da maneira que bem entender. Peço apenas que não deixe que o seu lírico morra de vez sufocando todas as supostas emoções que continuam ai dentro. Presas, reprimidas, ESMAGADAS.

terça-feira, 23 de março de 2010

   Não me entenda como sendo uma descrente sem expectativas. Realista sou, apenas. Acredito no que vejo e no que sinto, o que as outras pessoas confrontam só cabem a elas, não à mim. O meu papel é entender como convivem com tantas emoções, sentimentos, euforias. Transbordam em risos, em choros, em velas. Eu fico acuada como quem espera a sua vez, tornando cada segundo menos dolorido, mais aceitável. Nada de fôlegos escassos, coração acelerado demais. Só funciono no ritmo normal, ou talvez demasiado lento. Fria não, calculista eu diria e a cada cálculo feito, mais um descarte. Sobram poucos, quase nenhum. E o pouco que me resta já me é o bastante. Incostante, admito. Não quero nada, quero tudo. Simultaneamente.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Acerto de contas

   Há quem tenha pena por eu estar sentado nesta cela, por eu ver todas as manhãs o sol nascer quadrado e por eu viver em conflito com o meu próprio ser. Sinceramente eu até prefiro que tenham essa compaixão pela minha suposta insanidade, nunca fui muito bom em compartilhar a felicidade e a paz de espírito, mas eu lhes asseguro, minha lucidez e minha honra só se firmaram mesmo quando perfurei aquela carne.
   Lembro de cada detalhe como se fosse a última coisa ocorrida nos segundos passados. Ela me desafiava com aqueles olhos traiçoeiros, entretanto, eu podia sentir o medo que lhe escorria pela espinha e a piedade que ela desejava desesperadamente.
   Agarrei-a pelos cabelos ondulados e comecei a esfolar sua pele lentamente até que seus gritos se tornassem cada vez mais estridentes. Ela se rendia e pedia por favor, mas eu só conseguia ouvir o som da minha risada que penetrava aquele cômodo como música celestial. Senti prazer ao ver aquele líquido vermelho deslizando pela pele clara e levei o sangue até a boca para saborear o gosto da vitória. Dei-lhe um último beijo na face e tracei um risco profundo em seu pescoço.
   Ninguém fica impune quando se destrói um coração.